“O Corpo Antropofágico e a cidade: Flávio de Carvalho” foi organizada especialmente para a III Bienal de Design de Istambul, a pedido dos curadores Beatriz Colomina e Mark Wigley, dentro do tema geral da mostra: “Somos Humanos?”, inaugurada do dia 22 de outubro.
Da equipe: Centrada na figura de Flávio de Carvalho (1899-1973), a exposição dialoga com a temática geral da mostra naquilo que ela remete às interações entre as coisas humanas e não humanas, e ao lugar dos objetos como mediadores entre os corpos e o espaço. Personagem central da cultura de vanguarda brasileira ao longo no século XX, alinhado ao círculo antropofágico paulistano, Flávio de Carvalho fez de si objeto de uma profunda pesquisa sobre novas possibilidades humanas. Misturando imaginários materiais e anímicos, convicções tecno-sociais e um viés emocional, corpóreo e por vezes até obsceno, ele frequentemente recorreu a uma estratégia performática em suas experiências em arte, arquitetura, design, urbanismo, teatro, dança, cenografia, figurino, teoria e jornalismo, assim como na construção de sua própria persona.
Na exposição, apresentamos uma pequena narrativa de seu trabalho a partir de duas de suas experiências: a conferência de 1930, A Cidade do Homem Nu, apresentada no 4º Congresso Pan-Americano de Arquitetos, no Rio de Janeiro; e seu desfile pelo centro da cidade de São Paulo usando o seu New Look de Verão, conhecido como Experiência nº 3. Na conferência, Flávio de Carvalho apresentou, na forma de um manifesto, um projeto para uma cidade feita para um novo homem, produzido a partir da totemização dos tabus da sociedade clássica, cristã e patriarcal. Diferentemente de qualquer outra utopia urbana, a metrópole antropofágica por ele idealizada estava profundamente ligada ao corpo, compreendendo inclusive uma zona erótica dedicada ao culto da vida, da mudança e da livre investigação da libido humana, abarcando as práticas do sagrado e da alimentação. A pesquisa acerca das relações entre o corpo e a cidade iria aparecer de forma ainda mais pungente na Experiência nº 3, quando desfilou pelas ruas do centro de São Paulo em um traje performático composto por uma saia de algodão plissada, uma blusa de nylon bufante, meias arrastão e sandálias de couro. Ao mesmo tempo que visava melhor adequar o traje masculino aos trópicos, atuaria de modo contundente sobre as multidões urbanas, confrontando seus arquétipos, convenções e tabus.
A exposição em si compreende um painel batizado de Atlas Antropofágico, dois vídeos originais e um objeto. O primeiro é uma espécie de musée imaginaire hipotético, reunindo imagens variadas em torno da obra de Flávio de Carvalho e do universo da antropofagia, do surrealismo e do totemismo, incluindo duas réplicas de máscaras desenhadas por ele para O Bailado do Deus Morto, de 1932, pertencentes ao acervo do Teatro Oficina. Um monolito de concreto suspenso, projetado por Marc Nascimento, Clara Werneck e Victor Oliveira, remete a uma performance livremente inspirada na Cidade do Homem Nu e no New Look de Verão, concebida e realizada coletivamente por um grupo de atrizes e artistas do Teatro Oficina, arquitetos e alunos da FAU-USP. Pensada como um ritual de totemização dos tabus do Estado, da Igreja, da Família e da Propriedade Privada, metonimicamente dramatizada na demolição, remontagem e reconstrução da cidade, a performance foi filmada e editada por Marina d’Império Lima e Sofia Tomic em três locais simbólicos: a Praça do Patriarca no centro da cidade de São Paulo, o próprio Teatro Oficina e a Casa da Fazenda Capuava, residência de Flávio de Carvalho em Valinhos, projetada por ele nos anos 1930. Além do vídeo concebido em torno da performance, um segundo vídeo, de autoria de Pedro Geraldo, compilou imagens de filmes diversos sobre a cidade de São Paulo dos anos 1930 aos 1960, filmagens do próprio Flávio de Carvalho pela cidade e em sua casa, e trechos de A Deusa Branca, documentário de autoria de Alfeu França, sobre a expedição idealizada pelo artista à região amazônica em 1958 com o intuito de produzir um filme homônimo, jamais realizado. Juntos, estes materiais criam uma síntese, dentre milhões de outras possíveis, sobre a ocupação e mudança de perspectiva entre cidades e corpos, o corpo humano e os objetos.
- Curador: José Lira
- Curador assistente: Mina Warchavchik Hugerth
- Equipe: Cafira Zoé, Camila Mota, Camila Valones, Clara Chahin Werneck, Clarissa Morgenroth, Marcos do Nascimento Saad, Marina d’Imperio Lima, Marília Gallmeister, Otávio Melo, Pedro Geraldo, Renato Sztutman, Sofia Tomic, Sylvia Prado, Thiago Reis, Victor Oliveira.
- Colaboração: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Teatro Oficina Uzyna Uzona/Universidade Antropófaga, ACESA Capuava.